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nunca sei o que fazer com as mãos nem sei dos braços o seu espaço vertical os ombros e o balanço e todo o som já não estou sequer dono da tristeza um bouquet de mim entregue sobre a minha campa como uma encomenda as tuas mãos tremem no resquício do som era a minha voz e toda a madrugada muito fria e onde deixas as palavras para partires mais leve, se é tão grande o peso das rotativas de mexer a grande máquina discursiva
que te amo é um enorme trabalho parcamente remunerado altamente precário não sei se respondo ao anúncio para servir cervejas no verão ou se é para ficar, sério e muito fiel, como os velhos servidores da casa mãe, onde é barato o marisco e duvidosa a bifana e sempre quente o molho da francesinha, no cartão embotado do sentimental papel das ementas
nada há na ementa que supere o soneto nem no cravo surgem as certas sílabas na contagem da voz: amo-te, dizem as rosas em cima do meu corpo cansado, que a morte está para o corpo como o espinho está para a rosa.
há de sobra no bolso ainda assim os trocos para um último café. água suja que acalenta o vício. é necessária a máxima cautela. os fantasmas sobrevoam a multidão, executam uma exaustiva contagem, analisam fluxos migratórios, aninham sobre os sobreiros a sua fome imparável. os fantasmas de todo o descontentamento, que desimpedem no céu as nuvens quando cobrem a lua, que fazem limpa a água das fontes ou fresca a água dos rios, os mesmos fantasmas que te restringem a mão estendida ao céu, no sonho infantil de resgatar um pouco da lua ou da água fazem emergir, voraz e com a mesma fome, o outro monstro adormecido. o fantasma para garantir que vês sem agarrar. o último martírio dos vivos.
depois é que a luz morre e a textura do mundo aceita o peso da mão. depois é que vêm aos braços as energias dançantes e toda a noite a música ecoa pelos salões recheados de retratos de família e travessas austeras. depois, muito depois, do lado de lá da linha: saberei o que fazer das mãos, dos braços verticais, das pesadas rotativas da magnífica maquina discursiva.
(Nota editorial para conforto do leitor: esta é uma recolha não editada de ideias registadas em torrente durante um concerto dos Interpol.)
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