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O tempo veio, qual bola de espelhos espantosa, quebrar-se no chão da discoteca. Lindo de se ver no reflexo da luz - o corpo em difusão entre partículas de álcool e uma gloriosa tristeza -, o globo equivocado da nossa vida breve eclodiu uma paródia de pequenos fragmentos vítreos que se disseminaram pelo espaço de animação, desde a porta de entrada até à arrecadação das bebidas. Cada pequena peça recebia o conforto das luzes coloridas que permaneciam em funcionamento, e recebia também o reflexo de uma parte do rosto de cada ser dançante - entretanto imobilizado pelo espanto. Cada homem e cada mulher, os novos e os mais velhos, os coxos e os discretos, os aleijados e os enamorados, os lesados da bebida, os fumadores, as mães, os donos de cães, as miúdas fugidas de casa de seus pais, os rapazes esfolados do bilhar, os divorciados a leste, os retornados, os soldados, os monges budistas, os artistas de variedades: perante cada um deles, o tempo fragmentado, a memória sensível do passado, o pequeno rastilho de luz, e os seus rostos refletidos nessa enorme esfera alegre, vertiginosa e, agora, efémera. Todos entenderam um número infinito de coisas importantes.
La Scala ou Les Yeux, Maria Helena Vieira da Silva
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