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Em memória de Catarina Eufémia.

por Pedro Ramos, em 19.05.22

 

Se quando tu morres nasce uma ideia, tu não morres nunca. E vida é a única coisa que não te podem roubar: intocável, apesar do roubo. Se te extirpam a roupa, o pão, a casa, a dignidade, se te arrancam do chão para te violentar, para te violar, para depois te abater: nada nem ninguém te tira a vida que Deus segredou no teu peito. Anónima e invisível, estás na flor da eternidade, é mais digna a tua dor, uma ponta do teu cabelo, do que o corpo gordo que te abafa, que te envia para o campo que arde, que te ceifa o pouquíssimo que sobra.

O dia chegará em que degolarás o homem, e o seu sangue fluirá pelos regos da terra alimentando tudo: as crianças raquíticas dos confins do poço, como repolhos frescos, brotarão pela mão das águas muito fundas, e o seu corpo limpo crescerá na sombra das mães e dos limoeiros.

Dir-te-ão que é excessiva a tua fúria, que são novos os tempos, que é cicatrizante o bálsamo: mas existe a tua avó, a avó da tua avó, a avó da avó da tua avó, a avó da avó da avó da tua avó, a avó da avó da avó da avó da tua avó. Não acaba nunca. É uma herança maldita. Por mais que ergas a voz, não é ainda suficientemente alto o grito. A foice é para ti o instrumento radical, porque mora na raiz a dor impossível e silenciosa.

Nunca descansas. Nunca dormes. Nunca morres. É essa a tua força. 

 

Catarina-Eufemia.jpeg

Foto de: André Paxiuta, originalmente consultada aqui

 
 

 

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publicado às 13:14



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