Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O corpo treme inteiro e é voraz como carne. Alguém abriu a fogueira num punho fechado, lá onde os homens e a força constroem muros de pedra e alargam pontes profundas.
- Talvez na secção de sociologia, comenta pontualmente o funcionário da loja.
Talvez não, isso penso eu, afundado na poça límpida da minha própria tristeza. Alguém escreveu karma is a bitch num grafitti a caminho da ponte. O ferro tolera a tinta como mosca nas costas de um elefante. A ponte fica, hirta, fria; o karma dilui-se, life is a bitch, o que importa a trama densa do puto triste quando ladeia e legenda a silenciosa luz da arquitectura.
O brutalismo das grandes catedrais, os modernos silos nucleares:
- Não há caminhos que não voltem para trás,
[isto repete um homem, muito alto, falando ao telefone no meio da livraria,]
O betão armado que, jurámos, seria a nossa casa na Arrábida, perdida entre os pinheiros, baixa e fundida com a natureza morta dos arbustos. Eu já via a parede de vidro limpo e o nosso mundo reflectido na luz, coelhos alegres e todos os rebentos.
Porque alguém durante a noite aqui se alcandorou, recorrendo à força do músculo para se aguentar firme, para agitar a lata de cor, para gravar a vermelho vivíssimo e letras muito redondas:
KARMA IS A BITCH.
A ponte é magnânima, os seus braços abertos de que se despedem suicidas e onde, na noite densa, vão morrendo também os amores.
‘les choux de créteil’, gérard grandval, 1966-74
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.