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Padece de um mal deambulatório: explicar-se persistentemente, como se disso dependesse a salvação. Gasta as articulações contra o asfalto do argumento, tropeça em vírgulas e condições e imprevistos, resgata da sina do cansaço a solidez da fome e mergulha, enfim, na solidão da carne. Homens improváveis são figurantes na grande ordem das coisas: mordem autocarros entre palavrões abutres, e vão rangendo no calor do motor, em caldo de suor, até à paragem de casa.
Há males maiores. Como passar-se o reboque na verdade, triturando factos, ruminando ciências, cuspindo gerúndios. O homem providencial chega sempre aonde não é esperado. Impõe-se, porque se vê urgente, e é célere na resolução dos problemas fictícios que inventou. Anti-Sísifo, preenche o caminho com esponjosas pedras, e grita para que todos saibamos: como é pesada a pedra, e que duro o sacrifício de carregá-la. Faz-se à tarefa, acarta o novelo de penas e sobe a escadaria partidária, parando por vezes para limpar o suor da testa com a manga da camisa branca, e o olhar morre, brilhante, no ângulo da câmara oportuna.
De regresso à deambulação: já ninguém escuta o homem improvável, o do argumento, o do discurso. Morreu o tempo da fala, regressou o tempo do grito. As histórias repetem-se, isso é sabido. Menos sabido é que se degradam, são versões requentadas do mesmo jantar, cozinhado por Deus, à mesa da terra.
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