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A tragédia é a perda do amor, e a maior das tragédias vem de amar profundamente o estado de ser triste. O rigor permanente das imagens, cirúrgicas e escorreitas, austeras, impõe na narrativa a severidade do seu protagonista. Estóico perante a dor, depende da dor para se reconhecer estóico. Apropria-se da dor da morte alheia quando o seu próprio drama pessoal termina, a ponto de visitar o pai de uma cliente na sua morada final, carregando flores. São quebradas todas as barreiras profissionais em nome de uma vontade desesperada de chorar, de dramatizar, de sentir. A manhã junto à esposa regressada, sã e salva; a constante presença do mar, do sol intenso, da atividade física, da vitalidade; tudo isto é contrário à vertigem de quem se apaixonou pela antrolopogia da tragédia, de quem se viciou na mordedura rasteira do santuário de Crise.
"Esqueci-me de quão bom isto é", comenta em fundo negro, com a gritaria a capella habitual, ao induzir da mais dramática forma o choro, de que jura depender a sua fisiologia. O corpo, que se movimenta roboticamente, parece uma máquina de chorar. O pai de família severo desconstrói os seus papéis sociais, a sua ficção de género, e despe-se até um puto mimado, irritado pela privação do bolo de laranja da vizinha.
Sem pôr de parte o fato negro, industrialmente engomado, o advogado (Yannis Drakopoulos) agarra-se à maravilhosa cadela como um desalmado durante toda a trama, psicologizando a sua narrativa. No desespero final da sua irrelevância, não hesita em converter o amor em perda, apenas para escrever uma nova tragédia. Um filme que só na última curva abandona a estética ampla, moderna, a rebentar de sol, para se desprender num pranto de chuva e sangue.
A felicidade voltará para assombrar-nos, ressuscitada do Egeu profundo.
Oiktos (2018), Babis Makridis
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