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Tu conhecias de cor a minha serenidade, a que usava como uma camisa, válida de ambos os reveses, acumulando pó e muita sombra. Sabias que debaixo marulha o fogo manso de uma ansiedade contida: espaços de luz e um silvo agudo, estridente, de pássaros desconcertados. Viste-me edificar esperanças que eram apenas fumo do manso fogo da ansiedade: os escombros sobre os ombros, a pele ardente, floreada de escaras, marcas da insidiosa chama. Tu estavas lá quando se revoltou num lugar profundo a madrugada de frustrações, alguma dança. E vieste pelas margens do mundo amparando o desapertar dos nós, o desenlace dos dedos, a forma solta e perfumada das coisas belas quando acabam. Éramos uma ode triunfal no auge da sua alegria neutra, como nas canções dos Cure ou nas pinturas do Monet: alguma coisa que sempre permanece, perecível, real, intangível, doce. Alguma coisa real até às entranhas, real até doer. E escutar hoje nas paredes do cérebro o som desta memória é despertar mais cedo, abrir a porta da varanda, sentar-me numa cadeira em frente à praia, ouvir a voz de Deus no enrolar das ondas.
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