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O embaraço da idade.

por Pedro Ramos, em 29.05.22

 

Vortex (2021), de Gaspar Noé, é um filme que deve ser visto. Não como um drama claustrofóbico e hiperestilizado - que também é verdade que é -, mas como um documentário honesto sobre o final da vida.

A comparação inevitável com Amour (2012), do mestre Haneke, à semelhança da maioria das comparações, diminui em vez de acrescentar. Amour é uma obra de terror psicológico que parte da vertigem da morte mas explode na vontade da morte. Vortex é uma incursão no realismo profundo da demência, isto é, a obscuridade da obra deriva da negrura do tema. A estes dois grandes filmes poderíamos acrescentar The Father (2020),  que se alimenta do génio de Anthony Hopkins para produzir um filme médio. 

Verosimilhança será a palavra justa para Vortex. O olhar ausente de Françoise Lebrun, a forma como deambula perdida pelos corredores do supermercado, justifica já o filme. Depois os pequenos tremores, o choro fácil, a flutuação nos níveis de consciência e ligação à realidade são mais detalhes que ressoam no coração de quem conheceu de perto a doença.

A história perde consistência com os desvarios narrativos da figura do filho, o que parece intuir uma errada ideia de que o drama íntimo homem/mulher não seria suficiente para encher o filme. Nos momentos da morte, Gaspar Noé não resiste ao pecado do excesso, e ultrapassa a linha subtil que até então, pela primeira vez na sua carreira, procurara construir. 

A presença da demência no cinema não é nova, mas o seu surgimento como facto natural é fundamental para a função social da sétima arte. Talvez estejamos distraídos ou somente em negação, mas o futuro da nossa sociedade é o esquecimento. E perante a debilidade dos mais velhos, cada vez em maior número e com necessidades mais complexas, o futuro também terá de ser o cuidado, a compaixão. Não vamos resolver nada com chips mágicos ou fármacos milagrosos. Segurar a mão de quem sofre, apaziguar a confusão existencial, estimular a alegria de um sorriso: isso nos ensina a humanidade da tela, como que abanando a numbness profunda de uma civilização em suspenso, ignorante de si mesma. 

 

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publicado às 11:05


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