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Sobre mães.

por Pedro Ramos, em 01.05.22

 

Escreveu Herberto Helder: 

As mães são as mais altas coisas que os filhos criam, porque se colocam na combustão dos filhos, porque os filhos estão como invasores dentes-de-leão no terreno das mães. E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos, e atiram-se, através deles, como jactos para fora da terra. E os filhos mergulham em escafandros no interior de muitas águas, e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos e na agudeza de toda a sua vida. E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa, e através dele a mãe mexe aqui e ali, nas chávenas e nos garfos. E através da mãe o filho pensa que nenhuma morte é possível e as águas estão ligadas entre si por meio da mão dele que toca a cara louca da mãe que toca a mão pressentida do filho. E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo, e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

 

Escreveu Roger Waters:

Mama's gonna make all of your Nightmares come true
Mama's gonna put all of her fears into you
Mama's gonna keep you right here under her wing
She won't let you fly but she might let you sing

 

Escreveu Daniel Faria: 

Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos

 

Escreveu Marx: 

A primeira preocupação do capitalista, ao empregar a maquinaria, foi a de utilizar o trabalho das mulheres e das crianças. Assim, de poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e de idade, sob o domínio direto do capital. O trabalho obrigatório, para o capital, tomou o lugar dos folguedos infantis e do trabalho livre realizado, em casa, para a própria família, dentro de limites estabelecidos pelos costumes.

 

Escrevo eu: 

Dizemos: há sempre um regresso a casa. Mas queremos dizer: há sempre um regresso à mãe. Ao lugar germinativo de todas as ideias, os primeiros passos, as centenas de roupinhas alegres, o suspiro da primeira palavra, a amargura envergonhada de dezenas de mães atropelando-se na escadaria da escola primária: o teu primeiro dia, filho, o dia em que imaginei que te largava, mas não largo nunca, sinto os teus dedos no sofrimento da noite, sinto o calor ameno dessa vela que te ilumina a página, e sorrio ao lembrar a tua camisola marcada pelo giz do quadro, os éles, os pês, os quê-de-quá-quá repetidamente desenhados num caderno a linhas finas.

Lá longe a mãe aperta contra o peito uma memória esborrachada. Nunca tirámos a justa fotografia. O coração sucumbe um pouco mais, sempre num limite qualquer, afastando barreiras que são os dias, as horas, os minutos. Ninguém pode viver anos numa urgência. Porém, podem as mães. Como aves ansiosas cruzando os céus no breu profundo, gritando o nome dos filhos numa língua morta, agitando a ramagem. A mãe diz: meu filho, onde houver céu eu estarei lá. E o filho quebra num choro lento, as lágrimas apagam a vela, e a noite inunda o universo, como se fosse um abraço. 

 

 

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publicado às 13:44


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